Sobrevivemos. De novo. Até quando?
Ontem à noite, por volta de 11, o B me liga e avisa que estava chegando. Eu estava lendo na cama, com a Memée dormindo ao lado.
Daí uns 15 minutos escuto barulho na porta, e como ele estava sem chave, levantei com o Jack pra abrir, fazendo as gracinhas de sempre, dizendo "papai chegou" e tals.
Quando eu abri, na hora ví que alguma coisa estava errada (só não imaginei o que fosse), pq ele estava sem a pasta, e com as duas mãos espalmadas pra frente. Branco feito uma cera. Eu perguntei, "
o que aconteceu?".Ele só disse: "
calma"
E nisso os
dois caras armados sairam de trás da pilastra.....
***
Bem antes disso, na hora em que o B embicou o carro na garagem, tb percebeu alguma coisa estranha. Um carro (um Audi, acho), todo filmado surgiu do nada e parou bem atrás dele. Os dois caras saltaram e correram na direção dele. Ele ainda entrou na garagem, mas a porta não foi rápida, e eles entraram atrás. Com duas pistolas apontadas pra cabeça dele, avisaram pra ele não reagir, e pular pro carona. Havia mais gente no carro.
Diz ele que ficou aliviado, pq os caras sairam com o carro levando ele, e ele achou que fosse um desses sequestros relâmpago, de levar pra sacar dinheiro. Eles deram uma volta no quarteirão, foram até a praia, pra "sentir a situação".
Perguntaram quem estava na casa, quem morava aqui. E aí avisaram que íam voltar e entrar.
Nessa hora o B fez uma coisa muito estúpida (ainda que perfeitamente de acordo com a personalidade dele).
Muito calmamente ele falou "
olha, me desculpem, mas eu não vou levar vocês pra dentro da minha casa não".
Óbvio que os caras ameaçaram ele: "
tá maluco? A gente te mata agora!".E o B continuou muito sério, "
cara, tudo bem, prefiro então que vocês me matem agora mesmo, porque eu não vou levar vocês pra dentro da minha casa com a minha mulher e a minha filha lá". (ele já levou esporro por isso)
Imagina o espanto dos caras! Mas depois eles ficaram dizendo que já sabiam onde era mesmo, e que íam matar ele e entrar na casa mesmo assim, e que era melhor ele cooperar, e ele se rendeu.
***
Na hora que eles saíram detrás da pilastra, o B disse que achou que eu fosse até servir chá para eles, pq eu fiquei bem calma também, disse "tudo bem, tudo bem". O B falou: "
Estamos sendo assaltados".
Como eles entraram com o B, o Jack não esboçou nenhuma reação, mas depois começou a fazer barulho, e eu fiquei apavorada que eles chutassem ele, ou coisa assim. Perguntei se podia pegar ele no colo, e eles deixaram.
Daí eles perguntaram onde estava a criança, e nós fomos até o quarto.
Aí nessa hora a ficha caiu. Eu me dei conta de que estava de camisola, transparente, com peito e bunda de fora. E pior, a Memée dormia de calcinha na minha cama.
Sentei com ela na cama e, meu Deus, nem acredito que ela
não acordou. O B ficou de pé, e foi dizendo a eles onde estavam as coisas.
Eles ficaram cerca de 1 hora na casa. Pra mim pareceram dois dias.
Todo o tempo em que ficamos de reféns, fiquei de cabeça baixa, com a mão na testa, pq sabia que eles não queriam que a gente ficasse encarando. Quando eles pediam que o B saísse do quarto pra acompanhar um deles, ele pedia que os dois fossem, pq não queria que nenhum ficasse sozinho conosco.
Eles ficavam perguntando pelo cofre (!), pelas jóias (!), e íam ficando irritados quando não encontravam nada.
Tiveram a frieza de pedir as nossas malas, e foram enchendo elas com tudo que encontraram: laptop, ipod, os celulares, máquina fotográfica, aparelho de dvd, minha caixinha de jóias, o pouco dinheiro que a gente tinha em casa, cartões, nossas alianças...
Depois partiu pro ridículo, com eles levando quase todas as roupas do B, casaco de couro, perfumes, e até pela camisa do Flamengo dele eles perguntaram!!
O fim foi muito tenso, porque eu não sabia como ía ser. Achei que eles fossem levar o B. E como estava demorando mais do que o que imaginei, e eles estavam sem pressa, foi me dando uma angústia tremenda. Não posso nem contar o que passou na minha cabeça, porque é terrível demais.
Felizmente eles avisaram que a gente ficasse no quarto por meia hora, que eles sairiam, levariam o carro e tinha alguém na porta vigiando.
Quando acabou tudo, eu
desmoronei; fiquei bem nervosa, chorei, vomitei. Acordamos um vizinho pra ligar pra polícia, porque eles cortaram os fios dos telefones. Dessa vez a polícia foi ultra eficiente; chegou em menos de 10 minutos. Fomos dormir mais de 4 da madrugada, cancelando cartões, celulares e fazendo BO. A casa ficou toda revirada,
tudo jogado no chão.
Felizmente também a Memée não viu nada, e nós não nos ferimos.
De certa forma foi bem pior do que o arrastão, porque embora a gente não tenha se machucado como da outra vez (eu levei uma pedrada e usei colar cervical um tempo) dessa vez demorou muito, o que te dá tempo pra pensar e ficar apavorado. E dessa vez a Memée tava junto.
A dúvida agora é: depois do arrastão, a gente só evitou o lugar. E agora? Como evitar a minha casa?
E o nojo que estou sentindo aqui dentro? E o medo? E a vontade de ir embora daqui, tipos,
agora??
Nem contamos nada à Memée, porque muito embora eu seja contra mentir pras crianças, achei que ela não precisava ficar se sentindo insegura na própria casa. Já basta a gente. Então mandei ela pra escola normalmente, e inventei uma desculpa pra explicar a casa bagunçada.
Essa, sem dúvida, foi a
pior noite da minha vida, e eu perdi fácil alguns anos de vida nela, só de ficar imaginando as coisas abomináveis que poderiam acontecer em seguida.
Nunca senti tanto medo. Um medo tão avassalador, que chegava a sufocar, e eu tinha de me forçar a respirar fundo para não desmaiar.
A impotência de ver a sua família a mercê dessas pessoas, o medo físico que você sente, a invasão da sua vida, das suas coisas, a visão das armas...essas coisas vão demorar a sair.